quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Ácido fólico em gestantes em tratamento com antiepiléticos associado a menor risco de autismo

A suplementação com ácido fólico, tanto pré quanto perigestacional, pode abrandar o risco de autismo na prole de mulheres em tratamento com drogas antiepiléticas (DAE), mostra uma nova pesquisa.

Pesquisadores noruegueses estudaram o risco de características autistas na prole de quase 105.000 mulheres com epilepsia e descobriram que aquelas que foram tratadas com DAEs durante a gestação tinham risco de cinco a oito vezes maior de dar à luz uma criança autista se não receberam ácido fólico durante o período de concepção.

Um terço das crianças cujas mães não haviam sido tratadas com suplementação de ácido fólico durante o período periconcepcional tinha traços autistas aos 18 e 36 meses. Maiores concentrações de folato no plasma materno entre a 17a e 19a semanas gestacionais foram associadas a menos traços autistas aos 36 meses.

"Filhos de mulheres que usaram drogas antiepiléticas acompanhadas de suplementos de ácido fólico antes da gestação, ou no primeiro trimestre, tiveram um risco bastante reduzido de traços autistas comparados aos filhos de mulheres que não usaram tais suplementos," relatou ao Medscape a Dra. Marte Bjørk, principal pesquisadora e neurologista do Departamento de Medicina Clínica do Haukeland University Hospital, em Bergen (Noruega).

Mulheres que estejam em tratamento com DAEs, e que tenham possibilidade de engravidar, devem ser suplementadas com baixas doses de ácido fólico ou, como alternativa, ter o folato sérico checado regularmente, aconselha ela.

O estudo foi publicado on-line em 26 de dezembro no JAMA Neurology.

"Magnitude surpreendente"
Crianças expostas a DAEs durante a gestação têm risco aumentado de traços autistas, provavelmente devido a "mecanismos embriotóxicos e interações genético-ambientais", escrevem os autores.


"A exposição intra-uterina às DAEs tem sido associada a traços de autismo e de transtorno do espectro autista (TEA), e estas drogas interferem com o metabolismo do folato, ou seja, mulheres portadoras de epilepsia têm maior risco de baixo folato durante a gravidez," explica a Dra. Marte.

A administração adequada de ácido fólico reduz levemente o risco de TEA na população geral, mas estudos anteriores ainda não haviam examinado se a redução de risco com tal suplementação também se aplicaria a mulheres em tratamento com DAEs, observa ela.

"Nós então pensamos em investigar se o nível de folato materno e a suplementação de ácido fólico reduziriam o risco de traços autistas em crianças expostas a DAEs na gestação."

Para explorar a questão, os pesquisadores analisaram mulheres (n=104.946; idade média de 29,8; desvio-padrão de 4,6 anos) que participavam do registro Norwegian Mother and Child Cohort Study.

As mães receberam questionários para serem preenchidos entre a 17a e 19a semanas gestacionais (Q1), e aos 18 e 36 meses de idade da criança (Q3 e Q4, respectivamente).

O estudo incluiu filhos de mulheres com epilepsia tratadas com DAEs durante a gestação (n=335), filhos de mulheres com epilepsia porém sem tratamento com DAEs (n=389), e filhos de mulheres sem diagnóstico da doença, que funcionaram como grupo controle (n=104.222).

A monoterapia com DAEs incluiu lamotrigina, carbamazepina, valproato de sódio, levetiracetam, topiramato, oxcarbazepina, clonazepam, fenitoína ou fenitoína sódica, fenobarbital, gabapentina, primidona e clobazam. Valproato foi incluído em 19 combinações politerapêuticas.

A administração "periconcepcional" foi definida como "suplementação de ácido fólico desde quatro semanas antes até 12 semanas após a concepção."

Dentre as mães com epilepsia em tratamento com DAEs, 139 reportaram a dose, e, destas, 84 (60,4%) relataram o uso de alta dose de ácido fólico (>0,4 mg/d).

Amostras de sangue materno foram obtidas entre a 17a e 19a semanas gestacionais, e o sangue do cordão umbilical imediatamente após o parto em mulheres com epilepsia em tratamento com DAEs, e, nestas, foram analisados o metabólitos ativo 5-metiltetrahidrofolato (mTHF), os produtos de degradação 4-α-hidroxi-mTHF, p-aminobenzoilglutamato, p-acetamidobenzoilglutamato e ácido fólico não metabolizado. Foram analisadas também em ambas amostras as concentrações de DAEs.


Para medir os traços autistas nas crianças, foram utilizadas as escalas Modified Checklist for Autism in Toddlers e o Social Communication Questionnaire (SCQ) aos 18 e 36 meses, respectivamente.

As variáveis incluídas na análise de regressão logística foram idade materna, condição sócio-econômica, baixa renda familiar, paridade, tabagismo, uso de álcool, sintomas depressivos na mãe e politerapia com DAEs.

Os pesquisadores concluíram que a odds ratio ajustada (ORA) para traços autistas entre crianças de 18 meses cujas mães foram tratadas com DAEs sem suplementação de ácido fólico foi de 5,9 (IC de 95%, 2,2-15,8), comparada com aquelas cujas mães foram suplementadas. Em crianças de 36 meses de idade, a ORA correspondente foi 7,9 (IC de 95%, 2,5-24,9).

As ORAs correspondentes em filhos de mulheres sem epilepsia aos 18 e 36 meses de idade foram 1,3 IC de 95%, 1,2-1,4) e 1,7 (IC de 95%, 1,5-1,9), respectivamente.

Não foi observado aumento significativo de traços autistas aos 18 e 36 meses de idade em filhos de mulheres com epilepsia não tratada com DAEs, independente de suplementação.

Foi observada uma associação inversa em crianças expostas a DAEs entre escore médio de SCQ e concentração de folato no plasma materno entre a 17a e 19a semanas gestacionais. O quartil com as menores concentrações de folato apresentaram um escore de SCQ mais alto do que o quartil com as concentrações mais altas, onde escore alto significa mais traços autistas.

Da mesma forma, as análises ad hoc ajustadas para fatores de confusão mostraram uma associação inversa linear entre escore médio de SCQ e dose de ácido fólico em qualquer semana gestacional, mas a associação foi mais pronunciada para suplementação no primeiro trimestre (β = -0,45; P<0 p="">
O tempo médio para início da suplementação foi idade gestacional de 6,5 semanas para mães de crianças com traços autistas aos 18 meses, e de 12,5 semanas para aquelas cujos filhos apresentaram os mesmos traços aos 36 meses.

Mães de crianças sem traços autistas mais frequentemente iniciaram suplementação com ácido fólico antes da gravidez em comparação com aquelas que tiveram filhos com traços autistas aos 18 e 36 meses (mediana 6,5 semanas, P=0,007, e 12,5 semanas P=0,01, respectivamente).

A associação entre suplementação com ácido fólico periconcepcional e traços autistas em crianças expostas a DAEs parece existir com todas as DAEs.

A análise post hoc revelou uma interação "altamente significativa" de tratamento com DAEs acrescida de suplementação com ácido fólico e número de traços autistas (B = -3,1; erro padrão = 1,1; β = -0,42; P = 0,004).

A Dra. Marte reconhece que apesar da "direção dos achados" ter sido esperada, ela foi surpreendida pela "magnitude do efeito."

"Nossos resultados se mantiveram mesmo após o ajuste para fatores de confusão relevantes", acrescenta ela.

"Mistério sem solução"
Comentando os achados com o Medscape, Darrell Wiens, PhD e professor de biologia da University of Northern Iowa, em Cedar Falls (Estados Unidos), que não participou do estudo, considerou esta "uma importante contribuição pois, até o momento, havíamos estudado muito pouco a questão das DAEs durante a gestação e a possibilidade de o ácido fólico oferecer alguma proteção nestes casos."

Ele salienta alguns pontos fortes do estudo: a quantidade de mulheres estudadas, o fato de ter sido realizado em longo prazo, testando para autismo em duas idades diferentes, e o controle de múltiplas variáveis.

Disto isto, porém, ele observa que não ficou claro se a suplementação foi de ácido fólico puro ou como componente de um multivitamínico.


"Isso faria diferença, pois o multivitamínico garantiria a ingesta de várias vitaminas, fazendo com que a correlação possa ser entre nutrição completa versus incompleta."

E mais, as diferentes DAEs "podem provavelmente ter mecanismos de ação diferentes, mas foram todas incluídas no estudo como uma categoria na maioria das análises."

Embora os dados suplementares que acompanham o estudo tenham acrescentado uma análise mais detalhada, "os autores concluíram simplesmente que a associação entre traços autistas e DAEs estava presente para todos."

Sua própria pesquisa mostrou que o ácido fólico é um fator de risco para transtorno do espectro autista, e que "existem fortes razões para se ter cuidado com altas doses de ácido fólico em grávidas, especialmente durante a época perinatal e no decorrer da gestação," adverte ele.

No editorial de acompanhamento, o Dr. Kimford J. Meador, professor de neurologia e neurociência da Stanford University, e diretor clínico do Stanford Comprehensive Epilepsy Center, na California (Estados Unidos), recomenda que as "mulheres com possibilidade de engravidar", especialmente aquelas sendo tratadas com DAEs, "tomem suplementos de folato continuamente."

Não está claro, porém, que dose deve ser utilizada, já que "alguns estudos na população geral sugerem risco adverso com folato em altas doses," observa ele, acrescentando que as doses mais seguras e eficazes "podem ser diferentes entre mulheres na população geral e aquelas tomando DAEs."

A Dra. Marte concorda que a dose ideal ainda requer mais estudo. "Apesar de termos visto o efeito de altas doses de suplementos de ácido fólico, a dose correta para os vários tipos de DAEs ainda é uma questão não resolvida que deve ser estudada em pesquisas futuras."

Este estudo foi financiado pela Norwegian Epilepsy Association. O Norwegian Mother and Child Cohort Study é financiado pelos ministérios da saúde e educação noruegueses, National Institute of Environmental Health Science, National Institute of Neurological Disorders and Stroke, e o Norwegian Research Council/Functional Genomics. A Dra. Marte informa ter recebido honorários como palestrante e consultora da Novartis. Nenhum outro conflito de interesse da autora. O Dr Wiens não informou relações financeiras relevantes. O Dr. Meador informou ter recebido financiamento para pesquisa dos National Institutes of Health, e de Sunovion Pharmaceuticals, e pagamentos para a Stanford University do Epilepsy Study Consortium por consultorias prestadas a Eisai, GW Pharmaceuticals, Neuro-Pace, Novartis, Supernus, Upsher-SmithLaboratories, UCB Pharma e Vivus Pharmaceuticals.

Fonte: https://portugues.medscape.com/verartigo/6501940#vp_3

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