sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Estudo PURE e sua polêmica

Essa semana foi publicado em um dos mais antigos e renomados periódicos médicos (The Lancet) dois estudos. Um deles bastante polêmico, visto que profissionais que defendem ingestão de gordura em grandes proporções, usaram o mesmo para justificar suas condutas. De forma sensacionalista, e mostrando ignorância plena sobre epidemiologia, tais profissionais saíram alastrando pelas redes sociais que o tal estudo correlacionava ingestão de carboidrato com aumento da mortalidade cardiovascular e por outras causas.

Mas no mundo científico temos bons profissionais e pessoas que realmente sabem interpretar dados epidemiológicos. Vários colegas então prepararam posts sobre o tema e destrinchando o artigo. Mostrando para as pessoas que nada do que foi publicado é novidade. E o melhor, mostrando para seus leitores que esse tipo de profissional que demoniza um macronutriente em detrimento de outro na verdade está agindo de má fé aos olhos da ciência. Querendo mostrar que a dieta que ele aplica é superior as outras.

Então vamos às várias postagens. Ao final dos posts há o link para os dois estudos.

VISÃO 1: Dr. Guilherme Artioli - Professor, Doutor, pela USP. Pesquisador na área de nutrição esportiva.

Parece que esse estudo já está sendo distorcido para justificar algumas ideias e condutas... Publicado ontem, foram analisados ~135 mil adultos de 35-70 anos, de 18 países em 5 continentes, acompanhados por até 9 anos, totalizando ~5800 mortes e ~4800 eventos cardiovasculares. Algumas considerações:

- consumo maior de carboidratos (e, portanto, menor de gordura) foi associado com mortalidade total (28% maior risco) e por causas não-cardiovasculares (36% maior risco);

- maior consumo de carboidratos (e, portanto, menor de gordura) não foi associado mortalidade cardiovascular, tampouco com menor risco de eventos cardiovasculares;

- essa associação ocorreu quando se compara o quinto da população que mais consome carboidrato com o quinto que menos consome carboidrato (77% vs. 45% do total de energia consumida). No 3º quintil (consumo médio de 60% de CHO), já não há mais risco aumentado;

- a figura abaixo mostra com clareza que o aumento do risco de mortalidade começa a partir dos 60% de carboidratos;

- esses dados não dão nenhum suporte a dietas low-carb ou very low-carb. Esses dados apoiam a ideia de que reduzir o consumo de CHO pode ser benéfico para aqueles que consumem MUITO carboidratos em sua dieta;

- o consumo de carboidrato na população deste estudo foi bastante alto – bem acima do que muitos outros estudos costumam mostrar. Isso pode explicar a associação entre CHO e mortalidade;

- embora o estudo não tenha diferenciado a fonte de carboidrato (alimentos integrais e fontes de fibras vs. açúcares e CHO refinado/industrializado), me parece prudente que, caso necessário, qualquer redução de CHO comece pela redução dos industrializados, dos açúcares e dos refinados (e não de frutas, e etc). De qualquer modo, o estudo é populacional, e não dá subsídios para recomendações individuais. Aconselhar-se com um profissional ainda é o melhor a fazer;

- a principal mensagem do estudo está no contraponto feito às atuais recomendações POPULACIONAIS para consumo de gordura e gordura saturada. O estudo não viu aumento de risco com consumo de gordura total acima de 30%, e de gordura saturada acima de 10%, além de ter encontrado redução de risco com consumo de mono- e poli-insaturadas. Tema esse que, por sinal, a Fabiana Benatti tinha acabo de discutir no nosso blog do Ciência informa.

Abraços,

Dr. Guilherme Artioli

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VISÃO 2: Dr. Mateus Severo - Médico, endocrinologista, Doutor em Endocrinologia pela Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisador.

O que é melhor para saúde: gordura ou carboidrato?

Sem sombra de dúvida, o melhor é ter bom senso! O assunto é polêmico e novas evidências chegam  a cada dia. No entanto, a leitura da literatura científica deve ser criteriosa. Ler apenas o título ou o resumo de um artigo não melhora em nada a assistência ao paciente. Além disso, pode contribuir para propagação de desinformação e do terrorismo nutricional. Dito isto, vamos dar uma olhada no estudo PURE, publicado no periódico médico The Lancet, em agosto de 2017.

O estudo PURE avaliou o quanto a composição da nossa alimentação é responsável por desfechos adversos como morte ou problemas cardiovasculares. Para fazer isso, os pesquisadores selecionaram pessoas entre 35 e 70 anos de idade em 18 países (incluindo o Brasil) e aplicaram questionários para saber o que essa turma comia. Mais de 130 mil indivíduos foram acompanhados por cerca de 7 anos. Após as devidas análises, os pesquisadores perceberam que o maior consumo de carboidratos aumentou o risco de morte por qualquer causa em 28%. Já o maior consumo de gordura, independente do tipo, se associou com um risco 23% menor de morrer por qualquer causa. Nem carboidratos nem gorduras foram culpados por problemas cardiovasculares. A exceção foi que o risco de acidente vascular encefálico, popularmente conhecido como “isquemia” ou “AVC”, foi menor nos indivíduos com maior consumo de gordura saturada. Olhando superficialmente, comer um monte de gordura e pouco carboidrato seria a melhor opção para saúde. Será mesmo?

Primeiramente, é importante definir o que foi o “maior consumo” tanto de gordura quanto de carboidratos. No caso dos carboidratos, a ingestão associada a aumento no risco de morte foi de 67,7% do total de calorias. No caso das gorduras, a ingestão máxima foi de 35,3%. Em outras palavras, a ingestão de carboidratos deletéria estava acima do considerado apropriado para as diretrizes (45 a 65%) e a ingestão de gordura estava dentro do considerado apropriado (20 a 35%). Ou seja, o abuso na ingestão de carboidratos pode ser parte do problema.

Quando falamos de carboidratos, falamos de açúcar, pães, massas, mas também falamos de cereais integrais, frutas e vegetais. O problema é que o estudo não faz essa diferenciação! Será que o aumento da mortalidade no grupo que consumiu mais carboidratos foi por que as pessoas comeram mais arroz integral, ou será que foi por que beberam mais refrigerante? Essa é uma informação essencial que não foi reportada. Além disso, muitas das fontes de carboidratos refinados são produtos processados, que muitas vezes costumam também conter sódio e gordura trans em excesso, dois vilões conhecidos. No entanto, esta informação também não é disponibilizada pelo estudo.
Assim como as fontes de carboidratos não são adequadamente reportadas, as de gordura também não são. Ao contrário do que possa parecer, o estudo não avaliou apenas óleos vegetais, banha ou manteiga. Avaliou a composição da dieta como um todo. Alimentos que consumimos diariamente, mesmo quando preparados sem óleo/azeite/banha, possuem gordura naturalmente (carne, peixe, queijo, castanhas, cereais, iogurte…) ou adicionada (diversos alimentos processados). Em outras palavras, podemos ter duas dietas com a mesma quantidade de gorduras e carboidratos, muito diferentes uma da outra, uma saudável e outra nem tanto.

Aliás, sabemos que nossa alimentação varia dia após dia, semana após semana, ano após ano. O estudo aplicava o questionário alimentar em intervalos de 3 anos. Será mesmo que todo paciente manteve exatamente o mesmo padrão durante todo este período? Será que alguns pacientes não modificaram suas dietas, para um consumo menor de gorduras justamente por terem um risco maior de problemas de saúde? Será que as pessoas que consumiam mais gordura não se permitiam a isso por serem mais saudáveis? São questões que os próprios autores do trabalho reconhecem não ter conseguido responder.

Por fim, este estudo definitivamente não dá respaldo a dietas com restrições extremas de carboidratos ou abusivas em gorduras (very low carb e cetogênicas), já que os participantes não comeram menos de 42% de carboidratos, nem mais do que 38% de gordura.
Em resumo, gorduras não são as vilãs que se pregava em outros tempos, desde que consumidas dentro de um padrão alimentar e de atividade física equilibrado. Já o consumo abusivo de carboidratos, especialmente refinados ou vindos de alimentos altamente processados, pode sim trazer prejuízos à saúde. Ou seja, como dito antes, o melhor é optar pelo bom senso!

Fonte:
1- Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. August, 2017. The Lancet.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
www.facebook.com/drmateusendocrino

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VISÃO 3: Anne Karolina Paiva - Nutricionista clínica daqui de Goiânia

Sobre o novo assunto do momento: estudo do The Lancet. Já recebi inúmeros prints de posts de algumas pessoas que eu considero bem insanas... Eles estão comemorando algo que eu não consigo entender, visto que pelo jeito ninguém sabe ler estudo científico. Farei algumas considerações que achei importantes, por ora:

1- Quando ele fala em alto consumo de carboidrato, considera uma ingestão acima de 60% da energia diária vinda de carbo por dia. E não é novidade alguma saber que esse fato traz risco para a saúde, principalmente de indivíduos sedentários e daqueles que direcionam o seu consumo apenas para carboidratos simples. Então, me poupem. Ninguém precisa parar de comer farinha branca e nem pão francês. As pessoas precisam aprender sobre EQUILÍBRIO, MODERAÇÃO!

2- A partir desse estudo é possível criar hipóteses importantes para que outros estudos sejam feitos. E não pegar os achados dele como verdade incontestável e dizer que todo mundo que come carboidrato vai morrer antes que o resto. Não deixem ninguém vender dieta "low carb", "no carb", "paleo", "cetogênica" e outras como essas com o argumento desse estudo.

3- Inclusive os autores do mesmo estudo deixam bem claro que os resultados não oferecem suporte para dietas de baixíssimas concentrações de carboidratos, visto que eles são importantíssimos para a saúde.

4- Os achados de associação entre maior consumo de gorduras e menor risco cardiovascular ainda não é conclusivo. Até porque o que eles mostram como consumo maior de gorduras gira em torno de 35%, o que já era preconizado por alguns órgãos de saúde. O que foi visto é que não é uma boa ideia trocar o consumo de gorduras por carboidratos, por exemplo. Ou seja: é preciso equilíbrio entre todos os macronutrientes.

5- Vamos esperar um pouco mais para opinar sobre uma maior ingestão de gorduras saturadas (que eu acredito que, se mudar a recomendação, não vai ser para quantidades absurdas), até porque saber que gorduras mono e poliinsaturadas são ótimas para saúde não é novidade, né?

6- Pelo amor de Deus, vamos usar estudos importantes como esse para abrir a mente e não para vender charlatanismo e transtorno.

Anne Karolina Paiva

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VISÃO 4: Profissional da Educação física e Estudante de Medicina da UFRJ - Samir Khalil

O PURE, estudo que propôs avaliar a associação do consumo de #carboidratos e #lipídeos com as #doenças cardiovasculares e mortalidade sacudiu a área da #saúde e o mundo #fitness.
Farei apenas algumas observações aqui para Reflexão:

1) Mesmo com falhas e alguns equívocos, o estudo não é um ruim ao meu ver. Muito pior do que o estudo são as atitudes de certos profissionais que usaram desse #artigo com várias limitações de fácil percepção para justificar medidas nutricionais radicais que não são sustentadas por estudos de maior evidência, como estudos que utilizam modelos clínicos e revisões sistemáticas com meta-analise.

2) O estudo, mesmo não dizendo forma direta, mostra por meio de seus dados algo comprovadamente conhecido: Ingestão exagerada carboidratos traz riscos. Mas como saber o que é exagero? O #exagero é melhor analisado de forma comparativa, ou seja, fazendo uma análise do tipo: Percentual de energia do VET oriundo do consumo de carboidratos de forma bruta x Percentual de energia do VET oriundo do consumo de carboidratos encontrados nas Evidências de maior peso. Logo, devemos confrontar o valor bruto com os valores da Evidência para melhor avaliar o exagero e não apenas restringir a análise ao valor bruto em comparação aos outros #macronutrientes. Se comparar de modo "mais adequado", como o proposto, irá observar que o consumo elevado de #carbo, 77% da energia do VET, retrata um aumento de quase 50% em relação à maioria dos protocolos dietéticos, os quais preconizam valores entre 50 e 55% da energia do VET. Ou seja, um exagero em relação à Evidência e não um exagero cego como muitos analisam de forma equivocada.

3) O estudo não discriminou as fontes de carboidratos consumidas e sabemos que o consumo de carboidratos #refinados e muito processados aumentam o risco #cardiovascular. Assim, como o consumo de #industrializados é grande mundialmente, perdemos a precisão para essa análise.

4) Consumir 30 a 35% de gorduras não é sinônimo de alta Ingestão de #gorduras, inclusive está dentro de padrões bem aceitáveis.

Baseando nos dados e não em sua conclusão, esse artigo suporta melhor a ideia do #equilíbrio nutricional do que a do #radicalismo.

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VISÃO 5: Dr. Gustavo Duarte Pimental - Nutricionista e Doutor em Nutrição. Professor da Universidade Federal de Goiás. Pesquisador.

Um recente estudo publicado no The Lancet avaliou mais de 135 mil pessoas e mostrou que:

O MAIS ALTO consumo de carboidratos (77,2% das calorias totais provenientes dos carboidratos) foi associado com maior risco relativo de morte total quando comparado a BAIXA ingestão de carboidratos (46,6% das calorias totais provenientes dos carboidratos).

Meus comentários:

- Leiam o estudo inteiro antes de criticar!

- Veja que o risco foi aumentado apenas quando foi comparado os extremos de ingestão de carboidratos, ou seja, a mais baixa com a mais alta ingestão.

- Observe que consumir carboidratos na qtde de 45-55% (pode variar) não aumentará o seu risco de morte!

- É óbvio que a alta ingestão de carboidratos (principalmente dos refinados), tais como do açúcar que é adicionado nas preparações, doces, bombas de chocolate, etc aumentará sua chance de morte total ou por doença cardiovascular.

- Observe que em momento algum o estudo falou de low-carb.

- Sobre as gorduras, eu deixarei para falar em outro post!

Amanhã é o dia do nutricionista e sabe qual é a minha maior tristeza? Ver ex alunos e "profissionais" da área dizendo que comer qualquer qtde de carboidrato vai te matar.

- Parem de acreditar em "profissionais" que usam erroneamente as informações científicas, ou seja, parem de aplaudir aqueles que querem justificar o injustificável.

Fonte: Dehghan, et al. The Lancet. 2017.

http://www.thelancet.com/…/lan…/PIIS0140-6736(17)32252-3.pdf


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