quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Neurocientista do MIT tem uma receita infalível para o estresse

Para Tara Swart, a ciência provou que conviver durante muito tempo com incertezas reduz a produtividade

São Paulo — Em meio a qualquer crise, ninguém escapa à rotina de incertezas. Eis uma receita infalível para o estresse.  “A sensação de falta de controle faz o organismo produzir o hormônio cortisol em maior quantidade”, diz a psiquiatra britânica Tara Swart. “Quando esse cenário se prolonga, cria-se o chamado ‘modo de sobrevivência’.” Uma das consequências é a queda da capacidade de ter empatia e de ser criativo, dois efeitos nefastos para profissionais e empresas que, mais do que nunca, precisam ganhar produtividade.

Formada em medicina na Universidade de Oxford e doutora em neurociência, Tara trocou o trabalho em hospitais há quase dez anos para fundar uma consultoria especializada em atender companhias que passam por grandes mudanças e executivos submetidos a elevados níveis de pressão. Segundo ela, para desenvolver resiliência, é preciso entender e cuidar da saúde cerebral. Tara tem clientes como a empresa de tecnologia Google, a fabricante de bebidas SAB Miller e a companhia de mídia BBC. Nos dois cursos de extensão que leciona desde 2014 na faculdade de administração do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), promete ensinar a criar um padrão mental voltado para o crescimento e para a resiliência. De Londres, Tara deu a entrevista a seguir.

Exame – O que acontece quando as pessoas são submetidas a períodos prolongados de incertezas?

Tara – A sensação de falta de controle e as incertezas fazem o organismo produzir maior quantidade de cortisol, hormônio do estresse. Quando esse cenário se prolonga, o corpo tende a se retirar ao que é chamado de “modo de sobrevivência”. Isso significa que o cérebro responde ao  perigo percebido extraindo o sangue de todas as funções que não julga estritamente necessárias para a sobrevivência.

Exame – Quais as consequências dessa condição?

Tara – Entre as principais funções suprimidas  pelo cérebro nesse modo de sobrevivência estão as relacionadas à capacidade de regular as emoções, bem como ter empatia e pensar de forma criativa. Isso leva a um desempenho profissional mais fraco ou, na melhor das hipóteses, impede que as pessoas deem o melhor de si mesmas. Além disso, é comum ter aquela voz negativa em sua cabeça que diz coisas como “eu deveria ir embora do país”, “minha empresa vai quebrar”, “não confio em minha equipe ou em meu chefe”.

Exame – O que a ciência já descobriu a respeito de como manter o cérebro mais produtivo e ter um comportamento resiliente, mesmo em condições adversas?

Tara – A ciência provou que, para manter o cérebro em alto desempenho, só existe um caminho. É preciso prover descanso, combustível, hidratação, oxigenação e adotar um padrão de hábitos que chamo de simplificação. A primeira condição é ter um sono de qualidade que passe pelos diferentes ciclos de ondas cerebrais, e não do tipo que acorda várias vezes durante a noite. Caso contrário, isso vai afetar sua capacidade cognitiva no dia seguinte. Eis um aspecto comumente impactado em momentos de estresse. Combustível é muito importante para a tomada de decisão porque o cérebro usa de um quarto a um terço da energia oriunda do que você come. Cerca de 2 horas depois da digestão, ele já não consegue ter seu melhor desempenho. Há pesquisas sobre juízes tomando decisões mais severas em relação aos réus quanto mais distantes estavam do horário em que haviam feito uma refeição. Logo que se alimentavam, estavam mais abertos a ouvir e ponderar. Mas não vale qualquer combustível.

Certos alimentos são mais eficientes nesse sentido. Alguns exemplos são peixes gordurosos, como o salmão, ovos, abacate, nozes, sementes e bons óleos, como o de coco e o azeite de oliva. Hidratação, basicamente, é beber meio litro de água para cada 15 quilos de peso corporal. Quem sua muito, bebe café ou álcool precisa de mais água ainda. Ninguém dirige seu carro sem checar a água e o óleo. Mas muitos trabalham sem estar hidratados o suficiente, e isso não é bom, especialmente para quem é pago para usar o cérebro. Há ainda a oxigenação, o que significa não estar sedentário durante todo o dia. Num nível mais simples, pode-se caminhar para reuniões, entre salas ou ao lado de um colega enquanto conversam. Se tiver uma reunião ou uma decisão importante a fazer, caminhe antes ao redor da sala ou faça dez respirações profundas. E, finalmente, simplifique sua rotina. Nesse aspecto, refiro-me a duas coisas: praticar e manter a atenção plena e ter um regime de redução de escolhas.

Exame – Como essa filosofia minimalista pode ser aplicada à rotina de uma pessoa?

Tara – Ter uma rotina fixa pela manhã ajuda a economizar energia. Essa é a razão pela qual Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, usa a mesma roupa todos os dias.  Parece algo anedótico, quase caricato, mas tem uma função: preservar seu poder de decisão para o que realmente interessa ou fará a diferença naquele momento. Aos que têm filhos e trabalham, sugiro escolher suas roupas e a dos filhos na noite anterior, no momento em que o poder de seu cérebro está baixo, de qualquer forma. A atenção plena ao que é enfrentado no momento presente ajuda a lidar com as emoções e a preparar o cérebro para resolver múltiplas decisões difíceis. Cerca de 80% das pessoas bem-sucedidas têm algum tipo de prática regular de mindfullness, a aplicação da atenção plena, com exercícios inspirados na meditação. Muitos usam algum aplicativo para smartphones, como o Calm ou Headspace. Basta colocar os fones de ouvido, escutar o que a voz lhe fala e seguir as instruções.

Exame – Na prática, como as empresas podem ajudar as pessoas a lidar com as dificuldades do dia a dia e ainda gerenciar o próprio estresse?

Tara – Uma vez por ano eu coordeno um grande projeto de bem-estar em empresas que envolve exames de sangue para checar quão estressados os funcionários estão.  Com o uso de um equipamento medimos como anda a qualidade do sono das pessoas, sua resiliência, quanto estão fazendo de exercícios físicos. E fazemos com que elas percebam como o estresse afeta o comportamento delas. Isso é possível com uma experiência. Deixamos à disposição comidas e bebidas de todos os tipos durante uma semana. Então, conseguimos identificar tendências e relacionar, por exemplo, um grau mais alto de estresse ao costume de comer mais porcarias e beber mais álcool. Em seguida, verificamos o impacto dessa mudança de hábitos no comportamento e na capacidade de concentração e de tomada de decisão. Assim fica mais fácil mostrar a relação de causa e efeito entre os hábitos e a produtividade cerebral e provar que vale a pena tentar mudar alguns padrões.

Exame – O que mais é possível fazer, além de monitorar e tentar incentivar um comportamento mais saudável?

Tara – As companhias podem facilitar a escolha desse estilo de vida, colocando à disposição água de qualidade e alimentação saudável. Algumas empresas, como o Google, têm aulas de ioga e meditação guiada ou lugares onde os funcionários possam cochilar ou ficar em silêncio e dar um tempo dos equipamentos digitais em algum momento do expediente. As empresas também podem oferecer aos gestores treinamentos em noções de neurociência, como fez o banco britânico Standard Chartered e a companhia anglo-sul-africana de bebidas SAB Milller. Entender o funcionamento do cérebro afeta o estilo de gestão e a dinâmica como as equipes são conduzidas. São políticas e infraestrutura que têm de fazer parte da cultura das empresas.

Exame – Nos últimos anos, novos cursos e consultorias passaram a aplicar a neurociência aos negócios. Por que esse se tornou um assunto corporativo?

Tara – As pessoas precisam estar com a saúde cerebral em forma. Sobretudo na indústria do conhecimento. E a ciência avançou nesse sentido. O primeiro exame de ressonância magnética funcional, que  mostra a reação cerebral a variados estímulos e experiências, surgiu há 26 anos. E vem sendo aperfeiçoado rapidamente, principalmente nos últimos anos. Antes disso, tínhamos a psicologia. Agora, além de saber como as pessoas pensam e sentem, compreende-se o impacto de hormônios e neurotransmissores no comportamento.

Exame – Qual é a nova fronteira desse tipo de análise da neurociência nas empresas?

Tara – Algumas empresas começam a aplicá-la no recrutamento e na construção de equipes. De certa maneira, conhecer a neurociência ajuda a entender as diferentes formas de pensar das pessoas. Há cada vez mais evidências de que times com diversidade cognitiva têm melhor desempenho. Um estudo realizado por David Lewis, diretor da Escola de Negócios de Londres, e Alison Reynolds, da Escola de Negócios Ashridge, na Inglaterra, mostrou que times mais diversos no aspecto cognitivo terminaram uma determinada tarefa em 22 minutos, em média. Os demais, menos variados, levaram até 1 hora e ainda assim nem concluíram a mesma atividade. A explicação é que há tipos complementares. Pessoas com diferentes estilos de processar informações, como um detalhista e um generalista, trabalhando juntos tendem a resolver desafios mais rapidamente. Não é simples, no entanto, determinar o estilo de comportamento de uma pessoa e colocá-la numa caixa. Menos ainda dizer que ela sempre permanecerá da mesma maneira. É importante considerar que é possível mudar padrões de comportamento. O cérebro tem uma plasticidade muito grande — eis outra descoberta recente.

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