Combater mosca negra com agrotóxicos pode trazer mais prejuízos(Portal EcoDebate)
Nas últimas semanas, a imprensa tem divulgado com grande destaque a disseminação da mosca negra dos citros por 15 municípios paraibanos. O inseto ataca, sobretudo, as plantações de laranja, mas também afeta outros frutos, como romã, caju, graviola, amora, maracujá, gengibre, goiaba, mamão e sapoti. Apesar da larga proliferação, a estratégia de ação do Governo do Estado, centrada no uso de agrotóxicos em grande escala, pode trazer prejuízos muito maiores.
Para enfrentar a situação, os agricultores têm sido incentivados a aplicarem agrotóxicos em seus cultivos. A imprensa tem veiculado que cerca de R$ 250 mil em recursos públicos já foram reservados para a compra desses produtos químicos para usar nas regiões afetadas.
Entretanto, em todas as partes do mundo em que há ocorrência dessa praga, estudos de instituições de pesquisa e extensão demonstram que a melhor alternativa é o controle biológico e apontam para a completa ineficácia do combate com o uso de agrotóxicos, que, nessas circunstâncias, só tende a aumentar ainda mais o desequilíbrio do ambiente, eliminando a população de inimigos naturais da mosca negra.
Para se ter uma ideia, a organização alemã Coalizão contra os perigos da Bayer interpôs uma ação judicial contra a empresa exigindo a retirada do mercado mundial de todos os neonicotinoides (classe de inseticida à qual pertence o Provado, marca de agrotóxico comercializada no Brasil)*. O uso desse veneno está associado à grande mortalidade de abelhas que vem ocorrendo em toda a Europa, em várias regiões dos Estados Unidos e, inclusive, em São Paulo. O fenômeno é conhecido como Desordem de Colapso das Colônias. Produtos à base de neonicotinoides já foram proibidos na França, Inglaterra, Eslovênia e Itália em função dos danos causados a milhares de apicultores, assim como pelo prejuízo econômico na agricultura provocado pela mortalidade dos polinizadores. Segundo a Canadian Pest Management Regulatory Agency, além de representar um risco para as abelhas e outros polinizadores, o pesticida permanece no ambiente por muito tempo, com alto registro de resíduos no solo, comprometendo os próximos plantios e contaminando reservatórios de água.
Durante o programa Correio Debate (11/02), da Rádio 98/FM (Rede Correio Sat), que reuniu o secretário de Agropecuária e Pesca do Estado, Ruy Bezerra Cavalcanti; o secretário de Agricultura de Matinhas, Marcos Rosolen; o superintendente federal da Agricultura, Hermes Pereira, e o gerente de Defesa Agropecuária, Jamir Macena, reconheceu-se que existe uma polêmica sobre se o combate deve ser químico ou biológico, uma vez que haveria produtores reagindo ao uso de produtos químicos.
Segundo João Macedo, engenheiro agrônomo e assessor técnico da AS-PTA: O governo reconhece que o controle biológico é ideal, mas argumenta que é um processo lento e que para ter eficácia é necessário inicialmente diminuir a população de insetos por meio da aplicação de produtos químicos. Ora, isso é muito contraditório. Como defender a opção pelo controle biológico se utilizamos agrotóxicos? Há também o fato de que, após certo tempo, os insetos acabam criando resistência e, ao aplicarmos só nos citros, nada impede que a praga busque outras plantas hospedeiras. Enfim, o controle químico já é comprovadamente um método ineficaz, além de bastante caro e agressivo ao meio ambiente. É bom lembrar ainda que tanto a UFPB – Areia quanto a Embrapa Algodão possuem laboratórios em condições de produzir inimigos naturais da praga em curto prazo e em larga escala. Além disso, com a chegada das chuvas, haverá uma redução natural da população de insetos, mais um motivo para evitar medidas drásticas.
Além do controle biológico, que consiste em introduzir nas lavouras um inimigo natural da mosca negra, há alternativas que vêm sendo testadas e monitoradas pela equipe técnica da AS-PTA junto ao Prof. Jacinto Luna, da UFPB – Campus Areia. O professor tem feito aplicações de óleo de nim, óleo de castanha-de-caju e detergentes neutros em plantas infestadas tanto no campo como em laboratório.
Os resultados preliminares já são bastante promissores. Até o fim desta semana, espera-se que os dados já sejam conclusivos e que, com isso, possamos demover o governo dessa iniciativa de aplicar agrotóxicos, conclui Macedo.
Na região da Borborema, as famílias tradicionalmente produzem frutas em sistemas altamente diversificados, onde a própria natureza se encarregou de equilibrar as populações de insetos e pragas. A grande maioria das famílias da região nunca fez o uso de agrotóxicos. Esse contexto anuncia um enorme desastre ambiental e social decorrente das formas com que o governo vem tratando a questão. Acredita-se, portanto, que a posição do estado de incentivar o uso de venenos não se justifica, já que há inúmeras alternativas de domínio da própria pesquisa mais eficazes e com menos riscos econômicos, ambientais e sociais.
Considerando a importância do cultivo das plantas cítricas para a economia e alimentação permanente da população paraibana, o grande alarde da imprensa e as soluções imediatistas incentivadas pelos órgãos governamentais só aumentam o pânico dos consumidores e agravam a situação dos agricultores, que vêm sofrendo com barreiras fitossanitárias de alguns estados, como Pernambuco, proibindo a entrada das frutas cultivadas na Paraíba.
* Informação obtida a partir de matéria publicada em 2008 pela Environment News Service (ENS).
** Colaboração de Adriana, da AS-PTA, para o EcoDebate, 09/04/2010
FONTE:
http://www.ecodebate.com.br/2010/04/09/combater-mosca-negra-com-agrotoxicos-pode-trazer-mais-prejuizos/-----------------
Agrotóxicos versus saúde e meio ambiente.Artigo de Marco Antônio de Moraes e Raul Marcelo
Leia o artigo escrito em conjunto pelo deputado estadual Raul Marcelo e pelo engenheiro agrônomo Marco Antonio de Moraes sobre a política governamental que opta pelo agronegócio e suas nefastas conseqüências: monoculturas, desmatamento e poluição por agrotóxicos e adubos industrializados.[EcoDebate] A notícia veiculada pela “Folha de S. Paulo”, na edição do dia 22 de março, reportando as flagrantes irregularidades constatadas pela ANVISA nas empresas fabricantes de agrotóxicos, é um fato importante, uma vez que a produção desses produtos no Brasil é marcada pela excessiva tolerância do poder público para com essas empresas e substâncias perigosas.
O poder público tem a obrigação constitucional de tutelar e assegurar a saúde e a qualidade ambiental. Mas, em relação aos agrotóxicos, esse importante preceito constitucional é, na prática, negligenciado. São priorizados os aspectos meramente produtivistas e colocam-se em segundo plano os riscos intrínsecos a essas substâncias. Não fosse assim, os produtos com princípios ativos baseados em moléculas de organofosforados – de elevada toxicidade e proibidos em grande número de países do mundo – não teriam ainda uso autorizado no Brasil, como é o caso do Metamidofós, Acefato etc. São vários os trabalhos científicos que comprovam a alta toxicidade e os danos neurológicos ocasionados por esses compostos, inclusive triplicando o índice de suicídios nas populações mais diretamente expostas aos mesmos.
Como se denota da reportagem da “Folha”, o domínio de mercado é das transnacionais, que, vistas pelo cidadão incauto, são gigantes do mercado apenas pela extrema competência e compromisso com a sustentabilidade ambiental e social, como anunciam suas dissimuladas campanhas publicitárias. No entanto, são corporações absolutamente desprovidas de qualquer consciência ética ou ambiental.
As empresas produtoras de agrotóxicos lucram com o veneno na nossa alimentação, com a intoxicação de trabalhadores rurais e com a contaminação do nosso ambiente. E são as mesmas que nos impõem os transgênicos, produtos cujas conseqüências são ainda indecifráveis nos ecossistemas e organismos biológicos. Essas grandes corporações nos adoecem e nos ofertam medicamentos produzidos também em suas fábricas. Lucram com o fechamento de um ciclo de malefícios.
Tenta-se criar um mito, de fácil disseminação no senso comum, de que sem esses produtos não haverá capacidade de suprir as necessidades alimentares da população humana: os efeitos colaterais dos agrotóxicos são apregoados como uma espécie de mal menor ante a possibilidade de fome mundial. Desconsiderando que, mais do que uma questão de produção de alimentos, a fome que recai sobre grande parcela da população mundial é conseqüência do insano caráter concentrador do sistema capitalista.
Ademais, a criatividade humana tem plena capacidade para o desenvolvimento de tecnologias de produção agrícola que prescindam dos agrotóxicos, como mostram as crescentes vivências e experiências com agroecologia mundo afora. A disseminação de tais experiências encontra como principal obstáculo a insensibilidade governamental para um maior estímulo e incentivo à pesquisa, ao ensino e ao desenvolvimento de programas de extensão rural voltados para essa outra visão tecnológica.
A política governamental optou pelo agronegócio e suas nefastas conseqüências: monoculturas, desmatamento, poluição por agrotóxicos e adubos industrializados, concentração de renda e terras, empobrecimento do camponês, enfim, uma opção que não supera o histórico papel periférico de exportador de matérias-primas pelo Brasil. Trata-se de opção em evidente contradição com um novo paradigma de produção agrícola, mais limpa social e ambientalmente, voltada às necessidades humanas, e não apenas aos lucros de poucos.
Pensando nisso, elaboramos uma proposta de regulamentação da produção, comércio e uso de agrotóxicos no estado de São Paulo. A proposta tem como orientação a prevenção da saúde e do meio ambiente. Esperamos que a Assembléia Legislativa consiga, em seu conjunto, dar uma resposta à sociedade paulista em relação ao uso descontrolado dessas substâncias que ocorre atualmente no estado. É premente uma determinação política para que, acima dos interesses econômicos, esteja o bem estar da humanidade.
Marco Antônio de Moraes, 44, engenheiro agrônomo; Raul Marcelo, 30, deputado estadual e líder do PSOL na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Artigo enviado pelos Autores para o EcoDebate, 11/04/2010
FONTE:
http://www.ecodebate.com.br/2010/04/10/agrotoxicos-versus-saude-e-meio-ambiente-artigo-de-marco-antonio-de-moraes-e-raul-marcelo/